Estava
ali sentada na cadeira do quarto do hospital. Olhava o Brian que adormecera e
deixei soltar os pensamentos que sem cerimónia me invadiram.
Confrontada
comigo própria, ouvi-me a perguntar…”afinal quem sou eu?”
Dois
lados que se cruzam, um lado sério, corajoso, resistente, e outro lado irónico,
às vezes sarcástico, quase impiedoso, critico, pronto a rir, inteligente e
divertido. É esse o lado mais importante daquilo que eu sou. Sem ele já teria
colapsado, não encontraria força para resistir às perdas, lágrimas, aos medos e
inseguranças. É esse equilíbrio entre o sério e o não sério, o leve, o
atrevido, ousado que faz de mim o que sou.
Quero
ser ou quis ser outra? Houve tempos em que me desconhecia e que me procurava,
sabendo o que não queria, mas sem perceber o que queria. Não, não é verdade.
Procurava a paixão, sem restrições ou fronteiras e encontrei-a e tudo o resto
que ela arrasta na sua corrente vertiginosa.
Quis
a paixão e tive-a, desesperei-me, chorei, enraiveci-me, senti o chão a fugir,
mantive-me de pé, não porque tivesse decidido, não por um acto de coragem,
simplesmente porque continuei, esfarrapada, dorida, mas viva.
Viva
e sem saber, desperta, desperta para voltar a amar, aberta à vida, reconheci
então a minha capacidade de resistência.
Hoje
choro a partida do Brian, o adeus para sempre, o até nunca mais. Encontrámos-nos
num momento em que ambos precisávamos de paz, equilíbrio e ternura. Começámos
um caminho que não sabíamos, nem nos perguntávamos onde nos podia levar. Demos
as mãos e segurámos com força a oportunidade que o acaso nos oferecia, e assim
passaram quarenta anos. Sem paixão? Também foi uma pergunta que não fizemos.
Ambos tínhamos um passado, histórias vividas, histórias que nos tinham construído, e que
eram nossas, só nossas, de cada um de nós. E não deixámos que elas entrassem no
nosso presente, que o envenenassem mesmo sem
querermos. E assim os anos foram indo, partilhando, unindo, às vezes com
lágrimas, outras vezes com gargalhadas, cúmplices na vida, no amor, no desejo,
houve tantos “together”. E agora aqui estou de mãos vazias, sem o teu ombro,
sem os teus hábitos, sem o teu olhar, sem ouvir “darling”…
O
tempo cicatriza, eu sei, mas é isso mesmo cicatriza, fica a cicatriz, a marca
indelével de tudo aquilo que foi e já não é e não voltará a ser nunca.