quarta-feira, 15 de abril de 2015

Queimei-te também

Foi um dia estafante. A agenda sem um único espaço livre; os doentes mais doentes do que o habitual. “É a crise com certeza”, pensou…” "as pessoas estão a ficar mais malucas, desatinadas, sem saber para onde vão, é terrível a desesperança” e “este país é mínimo, um pobre rectângulo, com o mar de um lado e a Espanha do outro. Estou cansado, farto.”
Caminha a passos largos pela avenida. O ar está frio, mas o céu limpo sem uma nuvem. Respira fundo, dentro de pouco tempo estará em casa. Apressa-se, precisa do seu refúgio, do sofá de pele, da música baixa, do whisky sempre da mesma marca.
Abre a porta do apartamento, o cão não vem ao seu encontro, chama-o “Pepsi, Pepsi”, mas não há Pepsi, sente um sobressalto, “alguma coisa aconteceu” pensa. Olha em frente, a porta do escritório está entreaberta, empurra-a com força e pára estupefacto. Vazio, completamente vazio, nada, não há nada, só um envelope branco no chão. Abre-o com medo, reconhece de imediato a letra…e lê.

“Julgavas então que estava tudo acabado. Que cada um ia para seu lado, muito bem-educados e resignados. Não me conhecias e assim descobres com surpresa, penso, a mulher que tinhas a teu lado.

Levei tudo e a esta hora estará tudo queimado. Desapareceram as tuas memórias, as tuas fotografias, os teus discos, os teus livros. Desapareceste tu. Por mim estou aliviada. Queimei-te também”.

Sem comentários:

Enviar um comentário