Foi um dia estafante. A agenda sem um único
espaço livre; os doentes mais doentes do que o habitual. “É a crise com
certeza”, pensou…” "as pessoas estão a ficar mais malucas, desatinadas, sem saber
para onde vão, é terrível a desesperança” e “este país é mínimo, um pobre
rectângulo, com o mar de um lado e a Espanha do outro. Estou cansado, farto.”
Caminha a passos largos pela avenida. O ar
está frio, mas o céu limpo sem uma nuvem. Respira fundo, dentro de pouco tempo
estará em casa. Apressa-se, precisa do seu refúgio, do sofá de pele, da música
baixa, do whisky sempre da mesma marca.
Abre a porta do apartamento, o cão não vem ao seu
encontro, chama-o “Pepsi, Pepsi”, mas não há Pepsi, sente um sobressalto, “alguma
coisa aconteceu” pensa. Olha em frente, a porta do escritório está entreaberta,
empurra-a com força e pára estupefacto. Vazio, completamente vazio, nada, não
há nada, só um envelope branco no chão. Abre-o com medo, reconhece de imediato
a letra…e lê.
“Julgavas então que estava tudo acabado. Que cada
um ia para seu lado, muito bem-educados e resignados. Não me conhecias e assim
descobres com surpresa, penso, a mulher que tinhas a teu lado.
Levei tudo e a esta hora estará tudo queimado.
Desapareceram as tuas memórias, as tuas fotografias, os teus discos, os teus
livros. Desapareceste tu. Por mim estou aliviada. Queimei-te também”.
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