segunda-feira, 28 de outubro de 2019

O som de um barco a bater no pontão

As nuvens escureceram o céu, de repente a noite caiu sobre o lago, tornando-o ainda mais triste.
Sempre olhara o lago com desconfiança, aquela calma escura e o seu fundo onde os segredos apodreciam sem que ninguém quisesse descobri-los.
Nascera à beira do lago, na casa grande e isolada de difícil acesso. Adivinhava mistérios,,, porquê aquele isolamento, porquê aquele lugar triste? Nunca lhe disseram, deixou de perguntar. Habituou-se, e agora estava ali quase sozinha, restava-lhe a velha criada e o velho labrador.
O céu anunciava tempestade, adormeceu a custo, o pensamento povoado por sombras e vultos desconhecidos, estranhos... 
De repente um estrondo  que a acorda. Acende a luz, corre a cortina, um barco acabara de atracar no pontão. Alguém caminha pelo cais, ouve bater à porta e una voz forte que lhe diz:
"Abre não tenhas medo, sou o teu pai, não tenhas medo, demorei a chegar mas estou aqui. Prometi que voltava..."   

domingo, 29 de setembro de 2019

Solidão

Fecho a porta atrás de mim, nada me prende, nada me faz recuar. Fui feliz um dia, perdido no tempo, perdido no pó das lembranças. Vou, "sem lenço, sem documento", vou, para longe, bem longe... recomeçar? Não, não quero recomeçar, quero afastar-me de tudo aquilo que foi e que não será nunca mais. Deixo as paredes nuas, as árvores secas, os vidros partidos como a minha vida, partida, sem destino, sem fim, sem memória, não quero ter memória, dói demais... Vou até onde o destino me levar. Pararei talvez parra descansar, talvez seja capaz de fechar os olhos e não ver nada, não quero que nada se infiltre para me lembrar que já tive uma vida, que já amei, que já chorei, que já ri e solucei. Deito tudo fora, já não sou eu que caminho, é a minha sombra, o que resta da minha sombra.

terça-feira, 4 de junho de 2019

"Um balde e uma esfregona mais à frente um livro aberto, maltratado"

Na sequência de uma aula de escrita criativa... os desafios da Margarida!

Hoje a inspiração fugiu entre o balde, a esfregona e um livro maltratado, não me resta senão obedecer ou desobedecer.
Vou obedecer à esfregona e condicionar o meu texto a esse objecto com franjas na ponta normalmente sujas e a pingar? Não, não quero. E depois há o balde - detesto a palavra balde, associo-o a um objecto feio de zinco escuro e água turva, Recuso o balde. Resta o livro maltratado, podia dar origem a um desafio pseudo-filosófico, não estou para aí virada. 
O respeito incondicional pelo livro? Ou o respeito incondicional pelo autor?
Escolho o autor, selecciono o autor, esqueço-me das palavras, lembro o ritmo, a capacidade de captar a emoção, as lágrimas que caem sem nós querermos. O livro que ficou na biblioteca da nossa memória, o livro que corre ainda nas nossas veias, o livro que é nosso e sempre será, o livro que  nos possuiu, que nos manteve fora da nossa realidade, o livro que não queríamos que chegasse ao fim, o livro que nunca será maltratado.