quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Homenagem a uma mãe extraordináruia

Meus Queridos

Talvez estranhem esta minha carta, mas vocês eram muito pequenos para perceberem o maior presente que a vossa mãe vos deu.
Agora que a ausência já não é sentida como intolerável, podemos fazer as pazes com a dor e lembrar com alegria o amor da vossa mãe, e é tão bom, tão reconfortante saber que fomos amados de verdade!
A doença era fatal, ninguém quis acreditar quando soubemoso diagnóstico. Pensámos sempre que a medicina seria capaz de a salvar.
Não foi assim e ela sabia-o, e quando lhe pedi para desistir da viagem que tinha prometido fazer com vocês, disse-me: “Todos morremos, não é? Uns mais cedo, outros mais tarde, eu vou com eles é a última coisa que lhes posso dar.” 
Foi e ofereceu-vos o sorriso, a companhia, a ternura, como se tudo estivesse bem, como se as noites não fossem dolorosas, como se nada fosse mudar.
Passaram a última semana juntos, passearam, brincaram, riram. Voltaram felizes e ela sorria também. Tinha sido capaz, aguentara a dor sem que ninguém percebesse, sabendo e sentindo que o fim estava próximo. 
Poucos dias depois já não estava mais connosco.
Foi um presente maravilhoso, que só uma mãe extraordinária vos poderia dar e por essa razão escrevi esta carta para que não se apagasse nunca da vossa memória a lembrança dessa dádiva sem preço que a vossa mãe vos ofereceu.

Avó 



Anoitecer


Era o momento do dia que mais gostava, o começo de uma noite de Verão. A cidade parada, as ruas quase vazias. Maria respirou fundo, sentiu o cheiro das madressilvas e deixou-se penetrar pelo silêncio.
A lua agigantava-se no céu ainda azul, dentro de pouco tornar-se-ia escuro, muito escuro.
Não tinha medo da noite, em pequena sim, queria sempre uma luz acesa que lhe permitisse reconhecer onde estava, as prateleiras com as bonecas, o urso de peluche aos pés da cama, o tapete felpudo.
“É engraçado sem nos darmos conta caímos na infância”. A sua infância. As pessoas gostam de pensar que infância significa ser feliz”. Não fora assim tão feliz, confortável sim…Chega deixa-me virar a página.”
Caminhava agora pelo jardim que aquela hora não tem ninguém, só se ouvia o grasnar dos patos no lago. Sentou-se naquele banco quase escondido, de baixo do cedro centenário e deixou o pensamento flutuar ao sabor dos cheiros da noite.
A madeira era velha e rugosa, pousou as mãos distraidamente sobre as tábuas e sentiu que havia algo. Procurou ver. Um envelope, alguém deixara ali uma carta. Pegou com cuidado e tentou ler, estava demasiado escuro, não conseguiu. “ Vejo em casa e depois logo decido”
A curiosidade fê-la levantar-se, o seu pensamento estava agora concentrado naquele envelope fechado.
“Que estupidez, se calhar é uma simples carta comercial sem qualquer interesse.”
Mas estranhamente a curiosidade agudizava-se. À luz do candeeiro da rua, olhou o envelope amarelado pelo tempo; era uma letra elegante, feminina, endereçava a carta a Eduardo Sousa Menezes. No remetente o nome: Maria Luísa Cabral.
Maria parou, não queria acreditar; Eduardo Sousa Menezes, o seu pai.
“Não vou abrir, não posso, não tenho esse direito, não quero.” Rasgou-o lentamente, voltando as costas ao seu destino.

 Helena Barradas