quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Anoitecer


Era o momento do dia que mais gostava, o começo de uma noite de Verão. A cidade parada, as ruas quase vazias. Maria respirou fundo, sentiu o cheiro das madressilvas e deixou-se penetrar pelo silêncio.
A lua agigantava-se no céu ainda azul, dentro de pouco tornar-se-ia escuro, muito escuro.
Não tinha medo da noite, em pequena sim, queria sempre uma luz acesa que lhe permitisse reconhecer onde estava, as prateleiras com as bonecas, o urso de peluche aos pés da cama, o tapete felpudo.
“É engraçado sem nos darmos conta caímos na infância”. A sua infância. As pessoas gostam de pensar que infância significa ser feliz”. Não fora assim tão feliz, confortável sim…Chega deixa-me virar a página.”
Caminhava agora pelo jardim que aquela hora não tem ninguém, só se ouvia o grasnar dos patos no lago. Sentou-se naquele banco quase escondido, de baixo do cedro centenário e deixou o pensamento flutuar ao sabor dos cheiros da noite.
A madeira era velha e rugosa, pousou as mãos distraidamente sobre as tábuas e sentiu que havia algo. Procurou ver. Um envelope, alguém deixara ali uma carta. Pegou com cuidado e tentou ler, estava demasiado escuro, não conseguiu. “ Vejo em casa e depois logo decido”
A curiosidade fê-la levantar-se, o seu pensamento estava agora concentrado naquele envelope fechado.
“Que estupidez, se calhar é uma simples carta comercial sem qualquer interesse.”
Mas estranhamente a curiosidade agudizava-se. À luz do candeeiro da rua, olhou o envelope amarelado pelo tempo; era uma letra elegante, feminina, endereçava a carta a Eduardo Sousa Menezes. No remetente o nome: Maria Luísa Cabral.
Maria parou, não queria acreditar; Eduardo Sousa Menezes, o seu pai.
“Não vou abrir, não posso, não tenho esse direito, não quero.” Rasgou-o lentamente, voltando as costas ao seu destino.

 Helena Barradas

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