Na esteira de António Lobo Antunes….
Vai abrir…
Duas palavras mágicas, só para iniciados, só para
aqueles que passaram ou passam o Verão na Praia das Maçãs e arredores.
Não tenho culpa de ser da mesma geração do
ALAntunes, e como ele ter passado vários verões naquela região. Também os meus
pais, definitivamente o meu pai, preocupado com a sua filha a todos os níveis, saúde,
estudos, amigos, amigas, baptizar ou não baptizar, (ter a primeira filha aos
quarenta anos é o que dá), a minha mãe catolicamente castigava, o meu pai
descrente perdoava, e achando que o Estoril como lugar de férias contribuía
muito pouco para me dar um ar saudável e ganhar uns quilos receando uma
anorexia sem qualquer razão aparente que a fizesse prever e que nunca
aconteceu, resolveu a bem da minha saúde que também nunca se revelou frágil,
levar-nos a banhos para a Praia das Maçãs. Não ficámos na Pensão Central como
ALAntunes mas na Pensão Royal da D. Beatriz que diziam as coscuvilheiras da
época, mantinha um romance com o Sr. Alves dono da farmácia.
Lembro-me de ter tido pena de deixar as minhas
amigas do Estoril, a Zeca Freitas e a irmã Teresa, a quem chamavam de Petite, a
Paula Cunha que ficava na quinta da família em S. Pedro, onde havia um lago e
uma figueira imensa coberta de figos e formigas, mas gostava demasiado do meu
pai para contestar a sua decisão. Senti-me peixe fora de água naquela pequena
aldeia que era e é a Praia das Maçãs. Aos poucos apareceram amigas e amigos com
quem acabei por fazer o chamado grupo, primeiro foi o grupo da Praia das Maçãs,
depois o grupo do Pinhal, mas fosse qual fosse o grupo todos conheciam a expressão “vai abrir”.
Era uma espécie de chamamento, um tipo de
sebastianismo ao contrário, porque D. Sebastião estava previsto que chegasse
numa manhã de nevoeiro e nós de nevoeiro não nos podíamos queixar. Persistente,
insinuante e traiçoeiro, o nevoeiro fazia parte integrante das nossas férias,
mas como a esperança é última a morrer assim que um ténue raio de sol conseguia
atravessar as nuvens, lá se erguiam vozes a anunciar o milagre, “vai abrir, vai
abrir”…
Na maior parte dos casos o astro rei permanecia completamente indiferente
às nossas preces e lá nos brindava com mais nuvens espessas que às vezes num
exercício de pura perversidade só se desvaneciam ao final da tarde, quando já
era tarde demais para praia e mar.
E assim se passavam as férias à mercê de um astro
temperamental que se estava bem nas tintas para os nossos planos … noites
quentes sem cobertores? Pura quimera. Jantares ao ar livre no jardim à luz das
velas? Puro devaneio romântico. Passear à noite sem um casaco de malha? Caminho
directo para uma constipação.
Mas, há sempre um mas, nos dias em que por razões
metrologicamente inexplicáveis a manhã nascia com um sol radioso e que o mar se
apresentava calmo sem ameaçar ninguém de morrer afogado à primeira braçada, aí
então a euforia era completa, está sol, está sol, a bandeira está verde, verde,
verde!!!
Ir à Praia Grande nesses dias longínquos era uma
aventura, não havia estrada e lá se descia pelo caminho de terra e pedras com
cestos de piqueniques, cadeiras de praia, chapéus-de-sol e ainda mais cestos.
Voltava-se de lá torriscado, com um escaldão equivalente a uma queimadura do
terceiro grau mas com uma sensação fantástica de liberdade feita de sol e água
salgada!
Muita coisa mudou ao longo dos anos, mais gente,
surfistas aos montes, mais estradas, mais casas, mas nada nem ninguém consegue
mudar o mau feitio do astro que comanda a nossa vida. E nos dias em que ele está
zangado lá se volta a ouvir o mesmo grito de esperança “vai abrir, vai abrir”!
Que bonita vida descreve do seu passado e se recordar é viver.... Então vou ter ainda que ler muitas páginas suas.... A " abrir sempre a abrir" 😍👌 adorei
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