quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

A criança, a mochila e um objecto que fala


Laurinha despenteia-se novamente; a mãe quase perde a paciência. O eterno drama de todas as manhãs. Despe, veste, puxa, grita .Laurinha resiste, cruza os braços, não diz uma palavra, está dura como uma pequena estátua. O casaco é enfiado à força, e o cabelo parece um  ninho de ratos.
A mochila vai pendurada à frente, Laurinha espreita para ver se está tudo o que ela quer. O caderno azul, os lápis de cera, as aguarelas, o pacote de chocolates, e aquele lápis grande com chapéu de palhaço.
Chega a carrinha da escola; a mãe dá-lhe um beijo e suspira de alívio. "Agora já posso falar com ele," pensa Laurinha. Aperta o lápis grande e ouve-se a voz: "É sempre a mesma coisa, não te acho graça nenhuma." "És um estupido, já não gosto de ti."  "Não me rala nada, tu nem sabes escrever." "Sei sim senhora, já escrevo Laura, casa, gato, mãe". "Isso não é escrever, não sabes escrever uma história". "Hoje não falo mais contigo".
Laurinha está furiosa: "Vou-me vingar", pensa, "Vais ver".
Instalada na sala de aula, tira o lápis grande com chapéu de palhaço e o apara lápis, e começa a aparar, roda, roda, roda o lápis.
"Estás-me a magoar, para com essa brincadeira idiota". Ela continua e o lápis grande, fica cada vez mais pequeno e ainda mais pequeno, já não fala.
Laurinha fica surpresa, o lápis palhaço, o seu companheiro, o seu confidente, está transformado num monte de aparas. Os olhos enchem-se de lágrimas, não vai mais poder conversar com ele. Está triste, muito triste, perdeu um amigo.

HB

Sem comentários:

Enviar um comentário