quinta-feira, 4 de junho de 2015

Não mexe uma palha

Faz um calor abrasador. Não mexe uma palha.
Uma miúda caminha sozinha pela berma da estrada, nas costas a mochila da escola, a cabeça protegida por um pequeno chapéu de palha. Tem ainda um quilómetro a percorrer até chegar à paragem do autocarro que passa de hora a hora.
Todos os dias a mesma rotina. São mais de vinte minutos a pé, de manhã e ao fim da tarde. Hoje está cansada; a paisagem é seca e desoladora, só uns miseráveis chaparros aqui e ali; gosta mais quando o trigo está crescido e dança ao vento. Mas agora nem vento há. O que lhe vale é gostar da escola, senão não vinha mais.
Os pais moram longe, lá no monte isolado, não sabem ler, nem escrever, mas mesmo assim apoiam a filha. É esperta, viva e gosta de aprender.
De repente sente um barulho de um motor, mas não é o autocarro;  é uma moto pequena que se aproxima e para junto dela.
“Não gosto disto”, pensa, Maria apressa o passo e ouve “Maria, eh Maria, sou o João da tua aula, não tenhas medo”.
Suspira de alívio e volta-se para se certificar que é mesmo o João.
“Que é que tu queres? Nunca passas por aqui…”
“É raro, mas vim ter contigo, com este calor tive medo que te sentisses mal. Vem Maria, dou-te boleia até casa, só te quero ajudar.”
Maria hesita, gosta do João, é bom rapaz mas mesmo assim…
“ Vem Maria, põe este capacete, levo-te a casa.”
E lá vai Maria, sentindo o vento quente na cara, nos braços, nas pernas. Nunca tinha andado de moto.
“É giro", pensa e agarra-se com força ao João que a deixa à porta de casa, afogueada, despenteada e feliz.
Nunca mais vai estar sozinha na paragem do autocarro.


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