Amélia
passava todos os dias pelo pequeno jardim da biblioteca. Lá estava ele o
jardineiro, velhote, quase careca, as mãos calejadas, cuidando das flores.
As rosas eram o seu orgulho, floresciam
despudoradas, poderosas, altivas. Ele olhava-as com desejo, nunca tinha tido
uma mulher bonita, a sua, a Joaquina, engordara, estava quase tão careca como
ele e desdentada. Com as rosas, todas as infidelidades eram permitidas. Ele até
pusera nomes às roseiras, Vitória, Bárbara, Madalena; depois havia o tempo da
poda, aí ele sentia o coração partir-se, as lágrimas vinham-lhe aos olhos.
Amélia
observava-o; apreciava a persistência, a disciplina com que cuidava aquele recanto
florido. Era a única altura do dia que Amélia deixava de pensar na sua
matemática, sim porque a matemática era dela, adorava os números, a precisão, o
rigor. Sabia, sabia não, fazia de propósito para que as suas aulas fossem
difíceis, herméticas, para que os alunos se encolhessem nas cadeiras, tentassem
desaparecer, se anulassem, ninguém se atrevia a perguntar fosse o fosse,
ninguém ousava ter dúvidas, porque uma dúvida era motivo para uma palavra
áspera, uma expressão irónica.
Amélia
era alta, magra, quase bonita, o belo cabelo castanho apanhado num sóbrio e
discreto rabo-de-cavalo. Zé o jardineiro já reparara que ela abrandava o passo
quando via as flores, olhava para as rosas, houve um dia em que chegou mesmo a
entrar no jardim e a cheirar as “Bárbaras”. Eram as mais bonitas e também as
que picavam mais, uns espinhos afiados que pareciam garras.
Nesse
dia quente de Primavera, Amélia entrou outra vez no jardim. Zé aproximou-se e
perguntou-lhe:
-
A senhora quer uma rosa? Já percebi que gosta delas quase tanto como eu.
-Sim,
quero uma rosa, escolha a sua preferida.
José
cortou uma rosa amarela, e entregou-lha dizendo:
-Acho
que se parece com a senhora.
Amélia
esboçou um sorriso e entrou na aula; pousou a rosa em cima da secretária e para
espanto de todos disse sorridente:
-Hoje
a aula vai ser diferente. Em vez do rigor e das dificuldades das equações, eu
queria que vocês escrevessem um conto sobre um jardineiro cansado e já velho
mas que é capaz de fazer florescer estas rosas extraordinárias, fruto do seu
trabalho, da sua persistência, da sua “paixão”…podem começar.
Lindo, Helena, e cheio de esperança. Um enorme beijinho para si!
ResponderEliminarA si o devo minha querida, sem o seu estimulo eu escreveria? Sim, "mas não era a mesma coisa!!!" Beijo
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