terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Império - 2008

2008 - O desafio era a palavra Império, só Império

E o dicionário diz:
"Império - Comando, autoridade; domínio, predomínio; influência dominadora, estado de vastas dimensões, nação de grande porte, estrutura económica que se assemelha à de um império."
  
O meu olhar é de hoje e de ontem, vivido e sentido; o meu olhar é ocidental, racional qb., e justo, tanto quanto possível.

Assisti à queda do nosso Império Colonial. Era previsível que ele caísse, e só quem não quis escutar as vozes e os actos que anunciavam o seu fim próximo, é que pôde acreditar que seríamos capazes de manter o que nos restava do mapa cor-de-rosa.
Matámos e morremos, pilhámos, incendiámos e perdemos, deixando uma geração marcada para sempre pelo horror, estupidez e brutalidade da guerra. Ficámos mais pequenos, deixámos de olhar para o mar e voltámos-nos para a Europa e pensámos que finalmente íamos ser europeus. Perdemos as nossas raízes marítimas, a coragem que o mar despertava em nós, a capacidade de adaptação a novos climas, novas terras, novas gentes e achámos que já não éramos periféricos, pobres, invejosos e maldizentes. Acreditámos ser outros que não somos, e arruinámos o sonho e a ousadia.
Vivemos ainda da memória de um Império que já não temos, da glória daqueles que sempre souberam que o mar era o nosso destino, e estamos como zumbis à procura de um caminho.

Vivi o fim da segunda guerra e a formação de novos impérios; de um lado o império americano, do outro, o império soviético.
Soube de Estaline e da sua crueldade diabólica, dos milhões de mortos, do Gulag, do maldito sonho da igualdade.
Emocionei-me com De Gaulle, com Churchill e a sua promessa de “sangue, suor e lágrimas”…
O dia D e a entrada na Normandia, finalmente a guerra poderia acabar.
Chorei quando os aliados chegaram a Dachau e a Auschwitz e libertaram os prisioneiros que ainda restavam.
Soube do suicídio de Hitler e de Eva Braun. Vi a Europa destruída, esventrada, quase aniquilada.
Vi a Europa ser reconstruída com os dólares americanos, as democracias a serem instaladas, as monarquias a caírem de podres.
Vi cair Fulgêncio Baptista e acompanhei com entusiasmo a entrada de Fidel de Castro, de Che Guevara e os seus homens em Havana. Um vento de liberdade parecia soprar.
Vi a esperança renascer em Praga e o povo acreditar que a liberdade era possível. Mas vi também os tanques entrarem na cidade no dia 20 de Agosto de 1968. Caía Alexandre Dubcek e a Primavera de Praga sucumbia perante a força bruta.
Vi cair Salvador Allende e Pinochet tomar o poder. Vi os generais argentinos, Videla, Massera, Gualtieri e as purgas sucessivas, as mães chorando os filhos desaparecidos, torturados, mortos e enterrados em valas comuns. E os generais brasileiros Geisel, Figueiredo, e a liberdade e os direitos suprimidos.
Vejo agora o Iraque em sangue, e a América pregando uma nova religião a que chama democracia, escondendo o objectivo supremo, conservar, monopolizar as reservas de petróleo, sem as quais o mercado não pode crescer, sem as quais o mundo que reconhecemos, e cujos valores, acreditando que ainda existam, são também os nossos.
Vejo a China a poluir-se, a poluir-nos, a invadir-nos e a inverter a ordem estabelecida…outro império no horizonte!

Sou europeia, periférica, mas europeia; acreditei que a liberdade era possível, que as conquistas sociais pudessem permanecer, que se quisesse  construir um mundo melhor. E se tivesse que escolher, “não hesitaria um segundo”, era este mundo ocidental, imperfeito, injusto, hipócrita, tantas vezes cobarde, cansado e envelhecido, a quem eu daria ainda, o meu voto de confiança.




terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Lista de Natal menos convencional


Nesse Natal, Rita tinha resolvido virar de pernas-para o ar todo o esquema de presentes. Estava fora de questão a lista muito certa e justa, valores iguais para ninguém se queixar. Que se queixassem não queria nem saber. A prioridade é – de quem mais gosta; vai haver choros, raivas contidas, sorrisos forçados, paciência, viva o coração, é ele que faz a lista.
Para os filhos queridos:
O Rui vai receber a prancha de surf com que sonha todos os dias. O mar é a sua liberdade, a sua emancipação e realização.
Para a Mariana, e ela merece, a sonhada viagem à Austrália, como prémio da seriedade e de todo o amor que nos une.
O Ricardo, o meu irmão, que está cada vez mais chato, o pessimista de serviço, talvez uns chupas chupas para se lembrar do tempo em que era criança e divertido
Depois há a Lucília a minha cunhada. Coitada não é má pessoa, aturar o Ricardo não é fácil, mas é completamente desinteressante e queixa-se sempre do frio…uma capa a fingir caxemira na loja do chinês está óptimo.
Os meus sobrinhos são simpáticos, gosto deles, mas o meu preferido é o Pedro que adora música e toca na banda da universidade. Talvez uma bateria, acho que vai gostar.
O Carlitos está na idade do armário – quer ser chamado de Carlos - mas ele tem lá cara de Carlos, cheio de borbulhas e com os jeans a caírem pelo rabo. Um azulejo com o nome de Carlitos para que cresça e apareça.
Os velhotes, o problema está resolvido: a Avó Matilde, bisbilhoteira e intriguista, leva uma fotografia da família para juntar aqueles montes de fotografias que tem na sala e que só ela sabe quem são.
O Avô João que acha que continua a ser um D.Juan, uma caixa de Viagra fingido só para ver a cara dele.
Mas ainda faltam pessoas.  Deixa cá ver:
Avô Eugénio – outro a quem vou dar chupas chupas para voltar a ser criança e talvez voltar a sorrir.
Esqueci-me da minha sobrinha Madalena, uma enjoada e agora desde que está grávida  é o próprio enjoo. Um boneco de peluche, um ursito, um panda, também há na loja do chinês.
O irmão da Lucília, o Quim Zé, solteirão impenitente, um filme meio "porno" talvez não seja má ideia “Garganta profunda” ou “Emmanuelle”. Vai dizer que sou uma depravada, estou-me nas tintas.
Falta alguém? Ah, o miúdo Rodrigo filho da Conceição, irmã mais nova da minha cunhada. O miúdo é giro, divertido, vou ver qual o último play station, gosto do garoto.
À Conceição dou-lhe aquela água de Colónia quase sem cheiro, desde que o marido a deixou perdeu a graça toda, já não tinha muita, mas agora…
E para mim uma viagem a Nova Iorque e voltar a ouvir o Maxim Vengerov a tocar o concerto nº1 de Tchaikovsky.
Acho que acabei a lista!

P.S. Falta o Pipo, o meu querido Pipo – um osso verdadeiro fará a sua felicidade.


HB

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Sonata de Chopin



Francisco estranhou quando o telefone tocou aquela hora. Não era habitual em Vitória. A voz estava diferente do outro lado da linha. Fria e incisiva, cortante. A voz de quem dá uma ordem.
Os dias ainda estavam longos e a estrada livre. Chegaria a tempo. Vitória detestava esperar.
Francisco sentou-se na sua poltrona preferida, perto da janela e junto à lareira que Vitória não acendera. Aguentava mal o silêncio, pesava-lhe e não conseguia disfarçar o nervosismo que sentia.
Não se ouvia a música preferida de ambos. Maria João Pires não tocaria Chopin nessa tarde de Outono.
Vitória continuava silenciosa. Francisco sabia que o jogo da sedução e paixão não teria mais lugar. Sentiam que aquele encontro seria decisivo; Vitória recusava continuar a viver na mentira e na hipocrisia, pedia uma definição.
Os dois enfrentavam-se; o tom de voz subia, e a verdade, aquela verdade que se diz nos momentos de desespero vinha ao de cima.
Vitória olhou para ele com raiva. Toda a frustração, desespero, angustia, que sentira nesse ultimo ano, estava expressa naquele olhar.
Francisco dirigiu-se para a porta de entrada. Abriu-a com violência e saiu sem olhar para trás.

HB

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Despertador indiscreto


Já toquei. Cumpri o meu dever. Sei que sou estridente e intrometido mas se não for assim ela adormece novamente.
Gosto de a observar quando se espreguiça na cama, os olhos quase fechados. Primeiro estica as pernas, depois os braços. No Verão ela está linda, quase nua e eu, mudo, a olhar para aquele corpo jovem e elástico que eu conheço há alguns anos.
Sou um privilegiado e não me queixo da vida. Depois ela põe a música a tocar. Conheço-lhe os gostos: se tem alguma reunião importante lá vem a música clássica, Beethoven ou Chopin, às vezes Mozart. Levanta-se séria, decidida e lá vai para debaixo do duche onde fica horas. A música continua a tocar até ela estar pronta.
A mim também me desliga não vá eu começar a tocar fora de propósito. Aconteceu uma vez, mas essa não posso contar porque é muito intima e eu prometi a mim próprio que não dizia a ninguém. O que eu mais gosto é quando ela se ri e solta uma daquelas gargalhadas irresistíveis. Acontece muitas vezes quando telefona o Edward, que eu não conheço mas de quem tenho ciúmes. A esse se pudesse despertava-o às cinco da manhã só para me vingar.
Tenho uma vida calma, rotineira, mas em paz comigo próprio. Cumpro o meu dever e gosto muito, mesmo muito da minha dona.


sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Mar, não sabia que corrias nas minhas veias


Nunca até então vivera longe do mar. Sempre de uma forma ou de outra o mar estava próximo.
Lisboa abre-se despudorada ao rio e ao oceano. Do mar chegavam os que a aventura, a profissão, a família, levara até terras longínquas. Iam e voltavam… algumas vezes ficavam e não voltavam mais.
O cais era sempre o lugar da tristeza e da alegria, das lágrimas e dos risos, abraços, dos lenços brancos até não se saber mais a quem se dizia adeus.
O mar era também a liberdade das férias, o mergulhar nas ondas, enfrentá-lo um desafio constante.
E agora o mar não estava, e sua ausência era sentida com profunda dor.



Liberdade

Era um sonho, uma obsessão conquistar a liberdade. Decidir por ela em plena consciência e com a maturidade possível, ir até onde a imaginação a levasse. Saber que o espaço da vida lhe pertencia quase na totalidade. Caminhar a céu aberto, sem se importar de cair, de se magoar, levantar-se, sacudir o pó e continuar mesmo com dor.
As barreiras tinham ficado para trás, atravessá-las deixara cicatrizes indeléveis, de tempos a tempos passava a mão pela alma para senti-las e não mais as esquecer. Elas eram a marca do caminho já percorrido e da chegada ao “point of no return”.
A sensação de vertigem e o medo de perder o equilíbrio assaltavam-na, mas era nesses momentos que agarrava a liberdade com as mãos tornando-a prisioneira do seu sonho.


HB

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Montanha russa e uma ex ciumenta...

O que era aquele sentimento? De repente era nele que pensava, era com ele que queria estar… um novo amor?
Não tinha ainda a certeza, mas gostava do que sentia. Não esperava um novo amor, não sabia se queria, mas não punha barreiras, não sentia medo… um pouco como quando ainda criança andava na montanha russa; um frio na barriga, um arrepio e depois a sensação inebriante da queda e da subida outra vez.
Um novo amor comparável a uma montanha russa?  Riu-se às gargalhadas, adorou a comparação. Afinal o que era a sensação de um novo amor, senão uma espécie de bebedeira, de uma aventura mágica, sem fim previsível. Para quê ter medo, o medo é impeditivo, arrepender-se talvez, mas a vida é feita de muitos arrependimentos.
O dia fora passado na praia, quase deserta naquela altura do ano, o mar estava calmo. Andaram de barco, cortando as pequenas ondas, deixando que o sal e o vento os deixassem estonteados e cansados. Deram as mãos, ambos sabiam que abriam um novo capítulo.
Depois os dias passaram e houve aquele almoço, incómodo, inesperado, indigesto. Ela, Ele e a EX. A ex ainda possessiva, com passado à superfície:  “Lembras-te, “Sim tu gostavas”, Quando estivemos em Itália”…

Chegou a casa tonta, os sentimentos todos numa confusão, e o telefone tocou, ele claro, “Sei como te sentes, mas o passado vai estar sempre connosco, o teu e o meu. Agora vivamos o presente para que possamos amanhã saber que temos um passado que é nosso, só nosso.”