sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Garrafas com areias coloridas



Olhava para o rapaz que não teria mais que doze anos franzinos e tristes. No entanto a paciência que demonstrava ao deitar cuidadosamente areias coloridas para dentro da garrafa, demonstrava uma imensa dose de persistência e mestria.
Levantou os olhos e perguntou:
“A senhora quer aprender?”
“Não, não, só te quero ver trabalhar e admiro a tua paciência.”
“Gosto, disse ele, “aprendi com o meu pai, que já tinha aprendido com o meu avô, mas o melhor de todos é o meu pai. Está horas e horas a escolher as cores e os bonecos que vai ser capaz de construir. Amanhã eu trago para a senhora ver uma garrafa que foi premiada. Ele tem uma medalha que está pendurada em cima da cama. Diz que lhe dá sorte e paciência.”
“E tu herdaste o talento do teu pai, pelos vistos!”
“Tomara…mas ainda vou precisar treinar muito.”
“Tens a vida à tua frente, e paciência não te falta.”
Sentei-me e olhei o mar e a areia da praia, branca e fina. Seria completamente incapaz de encher com areias coloridas fosse o que fosse. Iria misturar tudo, estabelecer o caos, sem forma, sem sentido. As areias não seriam nunca matéria que eu pudesse moldar. As palavras, as letras sim. Esculpir palavras, frases, alisar arestas, libertá-las de ornamentos supérfluos, tirar vírgulas, pôr pontos.

Sim era essa a minha garrafa de areias coloridas, presas por mim numa página que deixou de estar vazia e que pintei ao sabor da minha imaginação.

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