Estivera
a arranjar as gavetas da secretária. Mantinha, arrumadas por ordem de datas
todas as cartas que ele lhe escrevera durante os anos que durara aquela paixão
avassaladora. Não as abria nunca, pegava no molho, acariciava-as com os dedos e
voltava a pô-las no lugar.
Nesse
dia não resistiu, tirou com cuidado duas cartas, procurou-as pelos selos, ambas
tinham sido escritas em Itália e reflectiam de forma quase violenta, o
sentimento de ausência, o desejo avassalador, o tormento da separação.
Leu-as
emocionada entre a raiva e a frustração; nunca, nunca aceitaria a ruptura, o
desencontro…
Restavam-lhe
as cartas, mas lê-las queimava-lhe a alma, abria feridas, sangrava. Não queria
ler mais, fechou uma, deixou outra aberta sobre a cómoda; não tinha conseguido
chegar ao fim, precisava de a ler mais uma vez. Saiu do quarto, triste,
estonteada, já não sabia onde estava, recostou-se na cadeira e fechou os olhos,
adormeceu.
Filipe
não a viu quando chegou, costumava encontrá-la no jardim, ou na sala a ouvir
música.
Procurou-a
no quarto, olhou à volta, a carta aberta em cima da cómoda, começou a ler e
sentiu que a vida lhe fugia das mãos, que entrava ser querer no passado e
intimidade da mulher que amava… e ela, será que o amava também?