segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Tema: "Na minha cabeça gravitam episódios passados...mas nenhum número"



Não, não aparecem números nos meus sonhos, não me admira, nunca gostei muito deles e afastei-me assim que pude. Curiosamente eles aparecem agora, quando acordada me falam em estatísticas. Interessam-me as estatísticas. Avaliam o presente, comparam com o passado e também prevêem o futuro. E o futuro é uma incógnita, não pequena, mas uma imensa, ameaçadora incógnita.
Não estarei cá para verificar as previsões, a linha do horizonte está mais próxima. Resta-me a certeza do meu passado, nunca tranquilo, porque a tranquilidade era algo que eu não procurava e por isso me enfiei na tempestade achando sempre que o barco aguentava e que depois, durante algum tempo, me pudesse abrigar num porto de águas calmas.
Sim acontece-me ter medo, porque sei que os barcos afundam ou encalham, no gelo, nas areias escondidas e traiçoeiras. Depois tenho a noção da total inutilidade do medo. De que me serve, não me protege, pelo contrário, tira-me forças e energia.
O presente é cheio de novas esperanças, que os meus netos materializam. A eles a vida pertence-lhes, o caminho está aberto, apesar das curvas, das derrapagens, das paragens bruscas.

Gostava de pensar que as forças se equilibram, que é reencontrada uma nova luz, outra estrela, o sol parece estar tão cansado!

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

A máquina de fabricar o fim do ano avariou-se...e agora?

... e agora?

- Adia-se, sim mas  como?
Como…ora telefona-se para a fábrica e pergunta-se quando é que eles têm pronto o nosso ano novo, o réveillon.

-Para a semana , dizem eles. Avariou-se a máquina e os operários entraram em greve. Foram para a Madeira ver o fogo de artificio.
- Mas para a semana quando, 2ª, 3ª? Dê-me uma resposta credível!
- Não antes de 6ª feira: olhe, prometemos no sábado; pode começar cedo, os dias estão curtos, lá pelas 6, o que é que lhe parece?
-O que é que quer que eu lhe diga. Nalguma coisa havemos de ser originais.- Mas não sei como resolver o problema das datas.
- Isso não tem qualquer espécie de problema. Atrase os relógios, proíba a venda de agendas, mude os programas de televisão.-
- Sim, parece-me possível…mas e os estrangeiros? Que faço com eles?

- Descontos, descontos nos hotéis, descontos no amor, descontos na paixão. Tudo a preço de saldo e prometa um novo ano em saldo, sem preço fixo, sem nada fixo, a não ser a incerteza! Vai ver que será um sucesso.

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Império - 2008

2008 - O desafio era a palavra Império, só Império

E o dicionário diz:
"Império - Comando, autoridade; domínio, predomínio; influência dominadora, estado de vastas dimensões, nação de grande porte, estrutura económica que se assemelha à de um império."
  
O meu olhar é de hoje e de ontem, vivido e sentido; o meu olhar é ocidental, racional qb., e justo, tanto quanto possível.

Assisti à queda do nosso Império Colonial. Era previsível que ele caísse, e só quem não quis escutar as vozes e os actos que anunciavam o seu fim próximo, é que pôde acreditar que seríamos capazes de manter o que nos restava do mapa cor-de-rosa.
Matámos e morremos, pilhámos, incendiámos e perdemos, deixando uma geração marcada para sempre pelo horror, estupidez e brutalidade da guerra. Ficámos mais pequenos, deixámos de olhar para o mar e voltámos-nos para a Europa e pensámos que finalmente íamos ser europeus. Perdemos as nossas raízes marítimas, a coragem que o mar despertava em nós, a capacidade de adaptação a novos climas, novas terras, novas gentes e achámos que já não éramos periféricos, pobres, invejosos e maldizentes. Acreditámos ser outros que não somos, e arruinámos o sonho e a ousadia.
Vivemos ainda da memória de um Império que já não temos, da glória daqueles que sempre souberam que o mar era o nosso destino, e estamos como zumbis à procura de um caminho.

Vivi o fim da segunda guerra e a formação de novos impérios; de um lado o império americano, do outro, o império soviético.
Soube de Estaline e da sua crueldade diabólica, dos milhões de mortos, do Gulag, do maldito sonho da igualdade.
Emocionei-me com De Gaulle, com Churchill e a sua promessa de “sangue, suor e lágrimas”…
O dia D e a entrada na Normandia, finalmente a guerra poderia acabar.
Chorei quando os aliados chegaram a Dachau e a Auschwitz e libertaram os prisioneiros que ainda restavam.
Soube do suicídio de Hitler e de Eva Braun. Vi a Europa destruída, esventrada, quase aniquilada.
Vi a Europa ser reconstruída com os dólares americanos, as democracias a serem instaladas, as monarquias a caírem de podres.
Vi cair Fulgêncio Baptista e acompanhei com entusiasmo a entrada de Fidel de Castro, de Che Guevara e os seus homens em Havana. Um vento de liberdade parecia soprar.
Vi a esperança renascer em Praga e o povo acreditar que a liberdade era possível. Mas vi também os tanques entrarem na cidade no dia 20 de Agosto de 1968. Caía Alexandre Dubcek e a Primavera de Praga sucumbia perante a força bruta.
Vi cair Salvador Allende e Pinochet tomar o poder. Vi os generais argentinos, Videla, Massera, Gualtieri e as purgas sucessivas, as mães chorando os filhos desaparecidos, torturados, mortos e enterrados em valas comuns. E os generais brasileiros Geisel, Figueiredo, e a liberdade e os direitos suprimidos.
Vejo agora o Iraque em sangue, e a América pregando uma nova religião a que chama democracia, escondendo o objectivo supremo, conservar, monopolizar as reservas de petróleo, sem as quais o mercado não pode crescer, sem as quais o mundo que reconhecemos, e cujos valores, acreditando que ainda existam, são também os nossos.
Vejo a China a poluir-se, a poluir-nos, a invadir-nos e a inverter a ordem estabelecida…outro império no horizonte!

Sou europeia, periférica, mas europeia; acreditei que a liberdade era possível, que as conquistas sociais pudessem permanecer, que se quisesse  construir um mundo melhor. E se tivesse que escolher, “não hesitaria um segundo”, era este mundo ocidental, imperfeito, injusto, hipócrita, tantas vezes cobarde, cansado e envelhecido, a quem eu daria ainda, o meu voto de confiança.




terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Lista de Natal menos convencional


Nesse Natal, Rita tinha resolvido virar de pernas-para o ar todo o esquema de presentes. Estava fora de questão a lista muito certa e justa, valores iguais para ninguém se queixar. Que se queixassem não queria nem saber. A prioridade é – de quem mais gosta; vai haver choros, raivas contidas, sorrisos forçados, paciência, viva o coração, é ele que faz a lista.
Para os filhos queridos:
O Rui vai receber a prancha de surf com que sonha todos os dias. O mar é a sua liberdade, a sua emancipação e realização.
Para a Mariana, e ela merece, a sonhada viagem à Austrália, como prémio da seriedade e de todo o amor que nos une.
O Ricardo, o meu irmão, que está cada vez mais chato, o pessimista de serviço, talvez uns chupas chupas para se lembrar do tempo em que era criança e divertido
Depois há a Lucília a minha cunhada. Coitada não é má pessoa, aturar o Ricardo não é fácil, mas é completamente desinteressante e queixa-se sempre do frio…uma capa a fingir caxemira na loja do chinês está óptimo.
Os meus sobrinhos são simpáticos, gosto deles, mas o meu preferido é o Pedro que adora música e toca na banda da universidade. Talvez uma bateria, acho que vai gostar.
O Carlitos está na idade do armário – quer ser chamado de Carlos - mas ele tem lá cara de Carlos, cheio de borbulhas e com os jeans a caírem pelo rabo. Um azulejo com o nome de Carlitos para que cresça e apareça.
Os velhotes, o problema está resolvido: a Avó Matilde, bisbilhoteira e intriguista, leva uma fotografia da família para juntar aqueles montes de fotografias que tem na sala e que só ela sabe quem são.
O Avô João que acha que continua a ser um D.Juan, uma caixa de Viagra fingido só para ver a cara dele.
Mas ainda faltam pessoas.  Deixa cá ver:
Avô Eugénio – outro a quem vou dar chupas chupas para voltar a ser criança e talvez voltar a sorrir.
Esqueci-me da minha sobrinha Madalena, uma enjoada e agora desde que está grávida  é o próprio enjoo. Um boneco de peluche, um ursito, um panda, também há na loja do chinês.
O irmão da Lucília, o Quim Zé, solteirão impenitente, um filme meio "porno" talvez não seja má ideia “Garganta profunda” ou “Emmanuelle”. Vai dizer que sou uma depravada, estou-me nas tintas.
Falta alguém? Ah, o miúdo Rodrigo filho da Conceição, irmã mais nova da minha cunhada. O miúdo é giro, divertido, vou ver qual o último play station, gosto do garoto.
À Conceição dou-lhe aquela água de Colónia quase sem cheiro, desde que o marido a deixou perdeu a graça toda, já não tinha muita, mas agora…
E para mim uma viagem a Nova Iorque e voltar a ouvir o Maxim Vengerov a tocar o concerto nº1 de Tchaikovsky.
Acho que acabei a lista!

P.S. Falta o Pipo, o meu querido Pipo – um osso verdadeiro fará a sua felicidade.


HB

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Sonata de Chopin



Francisco estranhou quando o telefone tocou aquela hora. Não era habitual em Vitória. A voz estava diferente do outro lado da linha. Fria e incisiva, cortante. A voz de quem dá uma ordem.
Os dias ainda estavam longos e a estrada livre. Chegaria a tempo. Vitória detestava esperar.
Francisco sentou-se na sua poltrona preferida, perto da janela e junto à lareira que Vitória não acendera. Aguentava mal o silêncio, pesava-lhe e não conseguia disfarçar o nervosismo que sentia.
Não se ouvia a música preferida de ambos. Maria João Pires não tocaria Chopin nessa tarde de Outono.
Vitória continuava silenciosa. Francisco sabia que o jogo da sedução e paixão não teria mais lugar. Sentiam que aquele encontro seria decisivo; Vitória recusava continuar a viver na mentira e na hipocrisia, pedia uma definição.
Os dois enfrentavam-se; o tom de voz subia, e a verdade, aquela verdade que se diz nos momentos de desespero vinha ao de cima.
Vitória olhou para ele com raiva. Toda a frustração, desespero, angustia, que sentira nesse ultimo ano, estava expressa naquele olhar.
Francisco dirigiu-se para a porta de entrada. Abriu-a com violência e saiu sem olhar para trás.

HB

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Despertador indiscreto


Já toquei. Cumpri o meu dever. Sei que sou estridente e intrometido mas se não for assim ela adormece novamente.
Gosto de a observar quando se espreguiça na cama, os olhos quase fechados. Primeiro estica as pernas, depois os braços. No Verão ela está linda, quase nua e eu, mudo, a olhar para aquele corpo jovem e elástico que eu conheço há alguns anos.
Sou um privilegiado e não me queixo da vida. Depois ela põe a música a tocar. Conheço-lhe os gostos: se tem alguma reunião importante lá vem a música clássica, Beethoven ou Chopin, às vezes Mozart. Levanta-se séria, decidida e lá vai para debaixo do duche onde fica horas. A música continua a tocar até ela estar pronta.
A mim também me desliga não vá eu começar a tocar fora de propósito. Aconteceu uma vez, mas essa não posso contar porque é muito intima e eu prometi a mim próprio que não dizia a ninguém. O que eu mais gosto é quando ela se ri e solta uma daquelas gargalhadas irresistíveis. Acontece muitas vezes quando telefona o Edward, que eu não conheço mas de quem tenho ciúmes. A esse se pudesse despertava-o às cinco da manhã só para me vingar.
Tenho uma vida calma, rotineira, mas em paz comigo próprio. Cumpro o meu dever e gosto muito, mesmo muito da minha dona.


sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Mar, não sabia que corrias nas minhas veias


Nunca até então vivera longe do mar. Sempre de uma forma ou de outra o mar estava próximo.
Lisboa abre-se despudorada ao rio e ao oceano. Do mar chegavam os que a aventura, a profissão, a família, levara até terras longínquas. Iam e voltavam… algumas vezes ficavam e não voltavam mais.
O cais era sempre o lugar da tristeza e da alegria, das lágrimas e dos risos, abraços, dos lenços brancos até não se saber mais a quem se dizia adeus.
O mar era também a liberdade das férias, o mergulhar nas ondas, enfrentá-lo um desafio constante.
E agora o mar não estava, e sua ausência era sentida com profunda dor.